Eu poderia muito bem ter colocado de maneira delicada (ou
pelo menos educada), mas como dizem os publicitários “o meio é a mensagem” e
acho que esta é uma reflexão que deve ser feita sem hipocrisia. Já escrevi
algumas vezes sobre como essa vida não é justa sob alguns aspectos, e se tem um
tema que remete fortemente a injustiça (ainda que seja extremamente velado)
este tema é a tal da meritocracia.
Outro dia mesmo eu li uma frase de um célebre empresário que
dizia: “Se você nasceu pobre a culpa não é sua. Se você morreu pobre a culpa é
sua”. Com todo o respeito ao senhor Bill Gates, puta babaquice isso aí. Então
quer dizer que se morro tão pobre quanto nasci significa que ou eu gosto da
pobreza ou a mereço? É assim tão simples? Tem certeza?
E olha que eu nem posso chorar tanto, dependendo do ponto de
vista.
Nasci numa família pobre com um pai que não passou da
quinta-serie e uma mãe que concluiu o ensino médio num supletivo a distância
depois dos 50 anos por uma exigência do trabalho. Meus pais foram sempre muito
rígidos com minha educação, sempre me deram livros (a maioria dados pela patroa
da minha mãe nos seus tempos de doméstica) e sempre tiveram uma régua muito
alta pras notas da escola. Quando criança achava até meio exagerado, pois não
via os pais dos meus amigos fazendo o mesmo. Hoje agradeço. Me ajudou a chegar
onde estou.
Isso significa que minha vida desenrolou de forma que acho
justa? Não mesmo.
Precisei abrir mão de muitas vagas de emprego por não ter
inglês, por exemplo. Desleixo meu? Não creio. Esse era um luxo que meus pais
não puderam me dar e eu só iniciei quando já estava na faculdade e estagiando
pra ganhar uma grana. Porém chegou uma hora que não dei conta de estagiar,
fazer faculdade e fazer inglês (alguns estágios obrigatórios eram de final de
semana, aí já viu...).
Os adeptos da bandeira da meritocracia podem até dizer que
todos tem o direito de sonhar, que basta se esforçar um pouco que tudo é
possível pra quem tem boa vontade. Mas sou obrigada e discordar. Pois “da ponte
pra cá” o número de sacrifícios feitos por dia é bem maior.
Me lembro bem do ano de 2008 quando estava na faculdade
encantada com o que aprendia e doida para trabalhar com cuidados paliativos. Naquele
tempo consegui uma entrevista num hospital referência e passei. Porém a
frustração foi tão grande que meus pais nunca souberam. O motivo da frustração?
O estágio não era remunerado e eu não conseguiria frequentar a faculdade sem
uma fonte de renda, por mais que fosse bolsista integral. Não daria conta de
pagar os livros e a condução. Resultado: um sonho deixado para trás. Mesmo após
ter conquistado a oportunidade, motivos maiores me afastaram dele.
Não desdenho de quem chegou em lugares que chamamos de topo
(seja esse topo um alto cargo, sucesso na mídia ou uma formação diferenciada).
Sei que mesmo com todas as facilidades, indicações e sorte na vida, se a pessoa
não souber aproveitar o contexto ela pode fracassar. Mas também não venha me
convencer que todos estamos no mesmo patamar de oportunidades. Um belo exemplo
disso é uma imagem que trombei no facebook dias atrás:
Resumindo: se você é pobre precisa ganhar dinheiro antes de
sonhar em constituir uma família grande, caso contrário isso faz de você um
aproveitador.
E se ainda não está convencido de que meritocracia não é
assim tão justa quanto tentam nos convencer, não deixe de ver o quadrinho
abaixo. É um soco na cara da inocência.