terça-feira, 20 de maio de 2014

#aleatoreidades - A vida da palavra

E a bendita palavra não dita, morre.
Assim como se cansa a palavra repetida
Se gasta a palavra que se banaliza

Palavra também se gasta
Como roupa que se usou demais até perder a beleza
Assim como a beleza por demais admirada um dia há de ficar invisível

Por isso eu peço:
Suma palavra!
Suma para que eu te enxergue mais uma vez
E uma vez mais volte e me traga esse frio e essa vertigem boa

Palavra é como gente
Também tem infância, adolescência e madureza
Como gente, precisa ser gestada dentro do ser
Então, um dia nasce
Transforma tudo ao redor
E todo muda pelo simples e arrebatador poder da palavra:

Amor.


domingo, 4 de maio de 2014

Contro n°2: Yin & Yang

Acordou.
Tomou um banho gelado para ficar mais disposto.
Separou os CD's de samba que costumavam acompanhá-lo nas viagens e também alguns instrumentos.
Tomou um café da manhã leve e conferiu os últimos detalhes do carro.
Pegou a estrada já pensando nas pedaladas e braçadas que daria, além da saudade que sentia de seu irmão.
Aquele seria o final de semana que fecharia com chave de ouro suas férias.
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Acordou.
Tomou um banho quente para prolongar aquela sensação de ter saído da cama.
Tirou uma parte da pauleira de seu Ipod e substituiu por um som psicodélico que achou ter mais sintonia com o clima praiano que a esperava.
Saiu de casa em jejum rumo à rodoviária já sonhando com a gelada que tomaria sentada de frente para o mar.
Pensou em todas as histórias e fofocas que dividiria com sua amiga que há tanto tempo não via. A vida andava um caos e seria ótimo ter com quem conversar.
Aquele seria um fim de semana de preguiça.
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Por dentro ele era um grande quebra-cabeças de emoções misturadas. Via os primos, amigos e as pessoas todas ao seu redor em seus rolos, namoros, casamentos etc. e a verdade é que não entendia muito bem a finalidade daquilo tudo. Havia experimentado da paixão apenas uma vez e sem sucesso. Depois disso decidiu que não nascera praquilo e não procuraria mais ninguém para gostar (mesmo sozinho, tudo ia muito bem, obrigado!).
Porém, ao mesmo tempo que não sentia falta dessas coisas, sempre havia aquelas cobranças da família ou amigos: “E aí? E a namorada, cadê?!” que deixavam no ar a impressão de que ele tinha algo de disfuncional em si.

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Por dentro ela se sentia como uma lixeira sentimental após tudo pelo que passara nos últimos meses. Depois de tudo decidiu seguir sozinha e se bastar. E “se bastando” ela havia sido tomada por uma aura irresistível de auto-suficiência e independência que vez por outra colocava algum cara interessante em seu caminho. Mas suas investidas amorosas, até aquele momento, tinham apenas a função de satisfazer um desejo de pele, tornando-se sempre desinteressantes com o tempo. Seus relacionamentos, via de regra, acabavam antes de tornarem-se compromissos. Seu coração estava gasto pela vida e ela carregava a sabedoria serena que só quem se acostumou à frustração consegue ter.
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Ele chegou cedo ao seu destino. Deu uma volta de bike, andou na praia e nadou. Naquele dia seu irmão chegaria um pouco mais tarde porque precisava ir com a esposa até a rodoviária buscar uma amiga que passaria com eles o final de semana. No fundo a idéia de dividir o irmão e a cunhada com uma desconhecida no último fim de semana livre de suas férias não o agradava tanto... Mas fazer o quê? Não tinha outro jeito...
Enquanto isso ela desembarcava do ônibus e ia ao mesmo tempo perguntando as novidades, cumprimentando o casal, dando uma prévia das fofocas, fazendo piada... Tudo naquele estilo atropelado e caótico que era sua marca registrada.

No fim do dia, todos reunidos, pizza e a notícia: aquele seria um fim de semana de trabalho. Finalmente a imobiliária liberara a casa nova dos anfitriões e os convidados teriam de se juntar para ajudar na mudança de última hora.

O dia seguinte foi de encaixotamento de tralhas e compartilhamento de idéias.
No meio de toda a bagunça foram surgindo os mais diversos assuntos que aos poucos traziam à tona os pontos de convergência e de divergência entre ele e ela.

Em comum tinham o signo, a escolha pelo mesmo curso superior, o fato dos pais de ambos estarem se preparando para uma mudança definitiva para o interior, a natureza inquieta e o gosto por esportes radicais. A surpresa do dia ficou por conta da vontade compartilhada de pular de para-quedas... Meio a sério, meio brincando chegaram até considerar um encontro posterior para fazerem isso juntos. (Quem sabe um dia...?)

As diferenças também estavam lá e não eram poucas.
Ela que curtia rock, enquanto ele era o cara do samba. Ela que contava os segundos para o inverno chegar enquanto, por ele, o verão poderia nunca mais acabar. Ela com sua postura ranzinza e reclamona que chegava a ter orgulho da fama de mal-humorada no trabalho. E ele, por outro lado que era o típico “boa praça” do escritório, sempre sorrindo e conhecido como amigo de todos.
Entre descobertas, caixas e longas conversas o fim de semana passou e chegou a hora de subir a serra.

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Segunda-feira e o dia dela cheio no trabalho. Mesmo assim era pega vez por outra pela lembrança dos dias anteriores e consciência de um erro imperdoável. Como era possível que ela não tivesse pego o telefone dele?
Claro que uma troca de telefones não significava que algum deles entraria em contato com o outro. Mesmo que alguém entrasse em contato nada garantia que marcariam algo. E ainda que marcassem algo, isso não significava que se dariam bem... A questão é que todas aquelas possibilidades eram impossíveis simplesmente porque eles não haviam trocado telefone. Um mundo de possibilidades impedido por um único detalhe.
Não restava outro caminho. Então ela abriu sua caixa de e-mail e escreveu uma longa mensagem para a amiga agradecendo pelo final de semana divertido e entre uma informação e outra tomou coragem para pedir que enviasse seu número de telefone para ele.
Alea jacta est!

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Terça-feira e ele ainda incrédulo. Depois de se pegar algumas vezes pensando no final de semana ainda não entendia porque ela havia mandado seu número de telefone. Chegou a considerar a possibilidade de ser apenas uma brincadeira do irmão. Mas fez o teste e escreveu uma mensagem falando qualquer banalidade, tomando cuidado para que não demonstrasse nem descaso, nem interesse demais.
Imediatamente a certeza: era mesmo ela estranhamente interessada em conversar e relembrando os planos levantados sobre o salto de para-quedas.

Dia após dia o contato foi se aprofundando... De repente era como se se conhecessem há anos, mesmo que fizesse menos de uma semana.
Então uma ideia: porque não continuar a conversa pessoalmente no final de semana?
E assim fizeram. Como moravam um tanto distantes, marcaram na praça central de uma cidade turística que ficava no meio termo de distância entre eles.

Ela chegou certo tempo antes. Não que fosse ansiedade de vê-lo, dizia para si, mas o horário dos ônibus intermunicipais era realmente imprevisível no final de semana e seria indelicado chegar atrasada...
Há tempos ele não fazia aquele caminho. Uma curva errada e pronto! Se perdeu, demorou para achar o retorno. Chegaria atrasado. Começou a remoer a ansiedade de ter estragado o final de semana. Já a imaginava brava, sentindo-se desrespeitada com a hora de sua chegada...

Então encontraram-se. Minutos depois do céu azul se encobrir e começar uma senhora chuva. Sem cumprimentarem-se direito se enfiaram no primeiro restaurante. Com o tempo fechado só lhes restava comer sem pressa e conversar. E conversaram. Conversaram até que o apetite acabou, a chuva acabou e o dia acabou. Só não acabava o assunto e a vontade de seguir adiante.
Para estender o tempo juntos ele ofereceu uma carona.
Para estender o tempo juntos ela ofereceu que ele entrasse em sua casa e esperasse até carregar a bateria do celular (era mais seguro para, caso necessário, ele pudesse ativar a função GPS e não se perder na volta também...ou pelo menos foi a desculpa que ela escolheu).
O assunto continuava, o envolvimento crescia... Num momento de aproximação e silêncio um beijo ainda meio desengonçado.
Por algum motivo que não eram capazes de explicar havia um magnetismo no ar, uma vontade de estender o momento... Mas a noite havia chegado ao fim e ele teve que ir embora.

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Nos dias que se seguiram ela só fazia pensar nas diferenças entre eles e porque, mesmo assim, ela queria tanto vê-lo de novo (parecia não fazer muito sentido).
Do lado de lá, ele pensava no que poderia significar a vontade cada vez mais intensa e constante de contar-lhe de seu dia, seus desejos e suas frustrações.
Decidiram juntos que deixar-se-iam levar sem planos. Enquanto tivessem assunto e desejo da companhia um do outro estariam juntos. Tão logo o bom clima acabasse parariam de se ver e ponto. Simples assim. Prezavam muito por ter espaço, leveza e liberdade. Não havia como dar errado.

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Os dias foram passando. As semanas também passaram. Algumas folhas de calendário foram viradas e entre uma e outra os encontros e as histórias que compartilhavam iam acumulando-se. Estavam sempre concentrados no desejo de aproveitar a companhia um do outro, porém sem prenderem-se. Este último ponto, aliás, era sempre relembrado discretamente nas conversas quando eles achavam que estavam envolvidos além da conta...

O que eles ainda não sabiam era que, mesmo enquanto não queriam admitir, já estavam juntos. Foram constituindo-se como opostos complementares capazes de se entrelaçar sem perder a essência nem misturarem-se até virar uma coisa só.

Ainda perceberiam que o que faltava em si era o outro.

Demorou pra ser. Mas agora é.